quinta-feira, 29 de novembro de 2007

“Tem muita história de tráfico por ali, acaba dando repercussão no colégio”

Entre as favelas de São Carlos e do Turano, o CAP UERJ abriga em torno de 1.020 alunos do 1º ano do Ensino Fundamental ao 3º do Ensino Médio.
Haline Oliveira de 16 anos é estudante do segundo ano. Ela conta como é estudar no Rio Comprido, morando na Zona Sul. Fala sobre a diferente realidade de estudar em um colégio longe de casa, com a maioria dos alunos morando na Zona Norte. A estudante lembra o dia em que todos ficaram presos dentro do colégio porque havia um tiroteio entre traficantes dos dois morros e a polícia na rua da escola.

Luna – Como é estudar no Centro, que não é algo muito comum?
Haline – Pra mim é muito difícil porque eu fico distante da escola. Eu moro em Botafogo, na Zona Sul, e não posso ir de bicicleta, tenho que pegar ônibus, fico dependendo de horário, condução. Não gasto dinheiro agora por causa do Rio Card, que foi um adianto pra todo mundo que tem que ir de ônibus, obrigatoriamente. Mas eu fico a mercê do tempo e de trânsito e de engarrafamento e tal.

Luna – As linhas de ônibus, principalmente os que não circulam só dentro da Zona Sul, acabam dando voltas muito grandes. Pra você é rápido? Qual ônibus você costuma pegar?
Haline – Eu posso fazer dois caminhos. Ou eu acordo muito cedo e pego um ônibus até o metro de Botafogo. No metro a linha um toda até o Estácio e de lá um ônibus até o Rio Comprido ou eu pego o 409 Rebouças ou o 438 Rebouças, que começaram a circular ano passado. Foi maravilhoso, com o túnel você chega em cinco minutos no colégio.

Luna – Falando em Túnel Rebouças, como foi durante essa semana que o túnel tava fechado? Quanto tempo você demorava? Que caminho você fazia? Você conseguia chegar na hora no colégio?
Haline – Foi insuportável. Foi no meio da minha semana de provas, foi horrível. A minha prova de química era a que eu mais precisava de nota e eu cheguei de manhã, a minha rua tava parada porque é a principal de circulação pro Rebouças. Não tinha lugar, tava simplesmente parada, lotada. Eu não consegui chegar no colégio nesse dia. Foi o caos. De fato pra quem estudava no Centro da cidade, pro lado de lá, foi impossível de chegar no colégio. Agora, na semana que se seguiu a isso, eu tinha que acordar uma hora antes e fazer o caminho com o meu pai, que ele acabou me levando...contornando o Rio de Janeiro inteiro, pelo outro lado. Pegava Botafogo inteiro, Flamengo, Centro, Estácio...

Luna – Em relação aos seus amigos, você é a única que mora na Zona Sul?
Haline – Bem, o CAP sendo uma escola pública de qualidade, de concurso, tem muita gente que já é de lá mesmo. Tem muito pouca gente que mora na Zona Sul, que escolhe ir pro CAP até por termos financeiros. Mas é a minoria. Até é muito difícil pra fazer trabalho de grupo e tal porque você tem que se juntar com o pessoal que mora em Campo Grande, Jacarepaguá, eu aqui em Botafogo, é muito difícil.

Luna – A maioria mora aonde?
Haline – Zona Norte. A maioria arrasadora do colégio é Tijuca, Grajaú e muita gente em Jacarepaguá. Agora tem gente da Barra também, tem uma galera da Barra, tem algumas pessoas de Lagoa, Leblon, Botafogo, no máximo.

Luna – E fora do colégio, na hora de sair, fim de semana, você consegue manter amizades, encontrar as pessoas?
Haline – É muito difícil. Assim, é muito difícil você ter a sorte das pessoas que morem na Zona Sul serem da sua turma ou da sua idade porque tem muita gente que era do terceiro ano, que já saiu do colégio. Por exemplo, na minha série, muito pouca gente que eu conheço, que eu gosto, que são meus amigos moram na Zona Sul. No grupo de amigos eu tenho um que mora no Anil, um em Jacarepaguá, uma em Campo Grande e uma em Laranjeiras. Então assim, é muito difícil, tem que marcar com um mês de antecedência pra você conseguir encontrar. É muito diferente de quando eu estudava, até a quinta série do lado da minha casa, no Paula Barros. Era muito mais simples, todo o meu ciclo de amigos era em torno do colégio, enquanto agora não.

Luna – Você estudava do lado de casa e agora estuda no Centro. Além dos seus amigos, o que você mais sentiu diferença?
Haline – Quando eu não pegava o 438 Rebouças, eu ia de condução porque era muito chato você acordar muito mais cedo e ficar dependendo de ônibus, então eu ia logo com a condução. Quando eu comecei a pegar ônibus não porque o tempo é pequeno do meu ônibus, mas até com a condução é o tempo. Porque você leva muito mais tempo, você tem que acordar muito mais cedo, você demora muito mais tempo pra chegar em casa, trabalho de grupo, os seus amigos, tudo a sua volta sabe. O colégio acaba dificultando as suas relações em qualquer fator.

Luna – Você acabou vendo uma realidade diferente, porque bem o mal a gente de Zona Sul ta acostumado com as pessoas da Zona Sul. Como é que é essa coisa da realidade diferente, das pessoas da sua idade que moram muito mais longe?
Haline – Com certeza, tem uma diferença muito grande. Porque você acaba que quando você estuda perto de casa você conhece as pessoas, você conhece o estilo das pessoas, o que elas fazem no final de semana e até quando saem dali, todo mundo tem mais ou menos que a mesma linha. No CAP pra mim é absurdo, porque além do Rio Comprido ser muito perigoso, diferente de onde eu moro, assim, não é a mesma realidade, é muito perigoso, você tem que tomar e muito cuidado quando sai na rua com as pessoas, até pra almoçar, porque o meu turno é integral. As pessoas são diferentes. Tem roubo no colégio, sabe, é uma galera que tem de tudo na verdade. É um grupo que você encontra vários estilos de pessoas.

Luna – Você falou que o Rio Comprido é muito perigoso, ali é cercado de morros, cada vez mais. Há alguns anos teve o caso daquela menina Luciana que foi baleada dentro da universidade. Como é que é isso, já teve situação de vocês ficarem presos dentro de sala de aula, ou no colégio? Como é conviver com esse medo de tiroteio?
Haline – É muito complicado. Já houve uma vez que eu tava no colégio, o meu colégio fica no centro da rua Alexandrina e o começo da rua da num morro e o final da em outro morro. Então tem muita história de tráfico por ali, de pessoas que descem com maconha, enfim, acaba dando repercussão no colégio e houve várias vezes além de assalto na rua, que acabam prendendo as pessoas no colégio que é para não serem assaltadas pelas pessoas que estão rondando a rua, houve uma vez que teve um tiroteio no horário da saída, na nossa rua. Os traficantes da favela do começo da rua com os do final da rua. Então foi um tiroteio absurdo na porta do colégio, vários policias passando por ali tentando apaziguar e várias criancinhas de C.A ao terceiro ano presas no colégio meio-dia e meia não podendo sair por causa disso.

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